12.06.2005

Gus in the sky with diamonds

Rememorando as passagens maravilhosas vividas com o meu querido amigo Gustavo Pena, El Principito, achei que deveria publicar algo que somente pude compartilhar com alguns poucos amigos. Render uma sincera homenagem ao grande amigo - esse era o desejo que sempre alimentei ainda quando ele estava entre nós. Talvez me reste publicar as fotos que tenho em meu arquivo... sei lá! Quem sabe editar as músicas produzidas na década de 70 e que também conservei em grandes rolos de fita. Acho que sou um conservador mesmo. Pura vocação. Aqui vão, ao menos, as notas, com um adendo de um homem peregrino.

Acho que agora - somente agora - descobri porque passei a esquecer o nome do homem.Por incrível que pareça, a minha resistência às perdas (o olhar demorado de abismo que todos experimentamos na vida) é tão grande e tão presente em mim que por contaminação de sentidos acabei por fazer com que o nome do homem fosse para o fundo do lago plácido da alma.

Gustavo é um grande amigo. Irmão, pai, filho, espírito que me animou às belas coisas da vida.

Jazz? Digamos que "ouvi" pela primeira vez acompanhando seu gesto elegante no movimento de suas mãos inteligentes. Gizava no ar um complexo fraseado de John Coltrane; ou então tocava delicadamente o ar com a ponta dos dedos e assim me traduzia o fraseado de El mar. Assim compreendi a profunda arquitetura da música.

A Frank Zappa fui formalmente apresentado nas ruas eternas de Montevidéu. Quantas vezes nos embrenhamos em infindáveis jam sessions, madrugada adentro, percorrendo os caminhos musiciais que foram abertos por Hendrix, Almendra, Pescado Ravioso, Led Zeppelin e Zappa... Coltrane, Benson, Wes Montgomery,Jean-Luc Ponty, la salsa maravillosa de centro-america y... El blues deCris.

Sim, one size fits all, little wing!

Sua incessante procura, sua loucura, sua alucinada busca de si mesmo, nos mobilizava a todos, seus amigos e discípulos, numa urgência de delicadas solicitudes.

De alguma forma nos achávamos num mundo estranho. Reconhecíamos, um pouco assustados, os contornos familiares agora transfigurados pela magia da música. Como eu o amo! Como levo em minha alma as suas delicadas preces! Meu querido niño de Dios, principito de las alturas, deixa-me embalar-te em minhas orações, confortá-lo no seio generoso da vida eterna.

Deixe-me beijá-lo com todo o meu Amor e agradecimento!


Essas mutações em nossas vidas, tão abruptas, tão profundas, tão definitivamente definitivas... Como lidar com isso?Lembro-me de uma tarde - uma tarde como tantas outras tardes; todas ignoradas simplesmente - sentado nesta cela confortável quando, de repente, alguém irrompe em prantos e me informa que mamãe havia partido.

Nunca vou esquecer a Eliane com a rosto transfigurado em dor, uma dor reflexa, dizendo-me que tinha uma notícia grave. Não chorei, não desesperei, não sofri uma dor profunda e inconsolável. Não. O que aconteceu foi que a minha resposta à morte foi a vida. Note: na noite da partida de Dna. Amélia a Helena foi gerada. Não sei como pude. Nem sei como aconteceu. Nem sei se deveria... Se eu te falar que não pude chorar, ainda, até hoje, a morte de minha mãe, v. me acreditaria? Somente agora, passados tantos anos, a sua imagem me vem inesperada, forte, como uma grave notícia da alma. Não sei como lidar com isso!

Meus sentimentos implodiram como estrelas negras, com fagulhas centrípetas, recolhendo para si cada migalha, cada lágrima, absorvendo definitivamente cada pensamento, como se fosse possível exaurir-me de toda a humanidade em silêncio, até não restar mais nada.

Não pude chorar a partida de Nadir. Não pude chorar. Não pude chorar a partida da Bete. Não pude chorar. Não pude chorar a partida do Sérgio Santos, do Mário. Não pude chorar. A partida do Gustavo. Não pude chorar. Talvez não tenha querido ou podido chorar a partida de meu pai.

Todos se foram e eu, aqui, reúno os cacos para reformar o sentido da minha própria vida.

Às vezes me sinto como a alma do deserto, varrido pelos ventos frios das lembranças, numa noite sem sonhos. Um deserto que não é de desesperança, mas instruído da profunda compreensão do nada, da insignificância de nossas existências; um deserto cuja única substância é a certeza de que afinal já não resta nada. Pulva et umbra.

As minhas alegrias são só passageiras. Vejo a tarde com os olhos de quem já partiu. Observo a graça, que se manifesta nos meus filhos, nos lampejos que denunciam a eternidade em dança e movimento; transpassa-nos, com fluidez sublime, imponderável, fugidia. Ali está a Verdade! Mas já se me escapa, não está ali; estará acolá? Mais adiante? Que fez Deus de nós, seres frágeis e indefesos? Que esperança nos alimenta? E no entanto, continuamos a viver e a reviver, como se pudéssemos, afinal, vencer a última, a mãe das batalhas. Mas que derradeira peleja poderá existir quando já não há lembrança essencial da primeira?

Não tenho nome, não tenho idade, não tenho cidade, não tenho lágrimas.

"Mas quando mais nada subsistisse de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas - sozinhos, mais frágeis porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis - o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruinas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação"Proust, No Caminho de Swann.

Para o Sérgio, homem de cujo nome eu me lembro, com o carinho. Londres, 15 de julho de 2004El mar.

1 Comments:

Blogger eteRNo NiÑoOº... said...

este 2 de Diciembre homenajeamos y festejamos el cumpleaños de Gustavo, junto a todos los seres que lo quisieron, musicas y voces en homenaje al interno y eterno principito

11:44 AM  

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