12.04.2006

Carta a Gus

Querido Gustavo,

Fotos antigas são como viagens. O cenário é muitas vezes conhecido, os rostos familiares, mas há um certo estranhamento, diria essencial, que importuna exatamente ali, no limiar de nossas consciências.

Uma viagem é descobertas. É renovação. É conhecimento. Mas a viagem das fotos é especial. Aqueles plátanos, o livro aberto ao acaso, as malas e o pegeot integrado na paisagem, o gesto distraído da criança, a porta entreaberta por onde escapam os sentidos e as certezas. Tudo isso é um lance do cosmo, que joga nas aparências, na paragem vertiginosa de espelhos e ângulos.

A luz lambuza os contornos de uma existência fugaz e nos agarra pelas franjas. Como vultos apressados, somos ultrajados e flagrados pelas lentes, perscrutados com o olhar moderno que ousa seriar um gesto indizivelmente contínuo.

Maquinaria cara-pálida que desafia os movimentos interiores.

O estranhamento da viagem nos colhe numa cilada. Fui eu, o fotógrafo? Meu olhar mira o tio ou é o tio que me fita, certeiro, sobranceiramente, num aturado flerte com a eternidade? Seremos ultrapassados pelo sol que arde preguiçosamente na tarde que se demora nos tempos?

O centro da roda é repouso absoluto.

Tempos montevideanos.

Lucy in the sky with diamonds!